Antes do Mundial de 2010, depois de dezasseis meses sem marcar pela selecção, Cristiano Ronaldo disse que não estava preocupado, porque os golos são como o ketchup. A imagem tem uma explicação que muita gente conhece: antigamente, o ketchup vendia-se em garrafas de vidro e era famosamente difícil doseá-lo. Virava-se a garrafa, batia-se várias vezes na base sem nenhum resultado, e de repente saía tudo de uma vez.
É indiscutível que há uma certa moda de se falar sobre saúde mental, e talvez também se aplique aqui o efeito ketchup. O assunto teve tão pouca atenção durante tanto tempo que, quando se abriu uma brecha, veio uma avalanche. Mas, no meio de tanto ruído, nem sempre é claro do quê que estamos a falar. Antes que a próxima moda atire a saúde mental para a mesma prateleira onde foram parar os flash mobs ou as viseiras de protecção do Covid-19, vamos então aproveitar para explorar o assunto.
Muitas vezes, falamos da saúde mental pela negativa, ou seja, pelos problemas que a afectam – a depressão, a ansiedade, o trauma, etc. Mas vale a pena pensarmos nela como qualquer coisa mais palpável, como um recurso de que dispomos e que podemos melhorar. A definição da Organização Mundial de Saúde tem o mérito de sublinhar que saúde mental não é o mesmo que ausência de sintomas, problemas ou doença. Diz-nos que é uma componente da saúde e do bem-estar (there is no health without mental health) e que se trata de um estado de bem-estar que permite às pessoas lidar com os desafios normais da vida, realizar as suas capacidades, aprender e trabalhar de maneira frutífera e contribuir para as suas comunidades.
Mas alguns autores acham arriscado dar-se muito destaque ao bem-estar e aos sentimentos positivos para definir a saúde mental. Uma pessoa saudável não se sente sempre feliz e realizada. Pelo contrário, sentimentos deste tipo seriam pouco saudáveis perante uma grande perda, uma desilusão ou a necessidade de adaptação a uma situação adversa.
Quero então partilhar uma proposta que me parece ir mais longe neste assunto, e que nos é trazida pela psicoterapeuta Nancy McWilliams. Ela identifica dez qualidades para definir a saúde mental, que podemos olhar como sinais vitais psicológicos: segurança, sentido de continuidade, agência, auto-estima, resiliência, mentalização (por falar nisso: conhecem a intervenção original do nosso projecto?), individualidade e comunidade, vitalidade, aceitação e capacidade de amar, trabalhar e brincar.
Nos próximos posts, vou tentar explorar cada uma destas qualidades.
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